Essas palavras geraram um grande problema de interpretação, pois muitos passaram a compreender que Marx defendia o ateísmo. Os detratores e defensores de Marx adotaram isso como dogma e, por sua vez, acabou se tornando doutrina. Marx não acreditava em Deus e isso é um fato. Porém, não lembro de ter lido algo escrito por ele contra a crença em Deus. O que Marx se opunha era ao poder das religiões e domínio que exerciam sobre as pessoas naquele período específico. Lembrando que sempre estavam atreladas aos interesses dos poderosos, ou seja, aos interesses da nobreza decadente e da burguesia ascendente. Percebam que a frase não é “Deus é o ópio das massas” e sim “A religião...”. Um erro de interpretação que fez muitos desacreditar na palavra divina e outros tantos a odiar o pensamento marxista.
Por outro lado, esta frase tinha um impacto muito grande, pois ainda havia uma relação muito próxima entre Estado e Poder religioso. Hoje em dia isto se diluiu, embora ainda exista grande influência clerical nas políticas dos Estados nacionais. O exemplo mais próximo de nós foi a pressão do Vaticano para que Fernando Lugo aceitasse o golpe de estado. Logicamente, o interesse do Papa e seus asseclas não era o bem estar do povo paraguaio e sim os interesses das oligarquias e dos donos do capital.
Por outro lado, quando olhamos a história dos movimentos populares e as rebeliões sociais um dado chama a atenção: enquanto as altas hierarquias clericais sempre ficam ao lado dos interesses dos poderosos, os setores mais “baixos” quase sempre ficam ao lado do povo. Ou seja, nota-se que em épocas de crise padres e pastores quase sempre ficam ao lado dos desafortunados e não são poucos que sofrem a repressão junto com os pobres. A Teologia da Libertação é um exemplo disso.
Isso me faz lembrar a figura histórica de Jesus Cristo. Ele foi assassinado acima de tudo pelo fato de ficar ao lado dos pobres e se opor violentamente à corrupção da alta hierarquia religiosa hebraica, que oprimia e extorquia o povo hebreu. Não esqueçamos que Cristo era um rabino (mesmo que muitas igrejas cristãs omitam isso), e suas ações sempre foram voltadas para apontar os erros dos poderosos acantonados no Sinédrio (uma espécie de conselho que reunia a alta hierarquia hebraica). Foi a conspiração dos poderosos que levou a morte de Cristo, não o povo hebreu como se construiu no imaginário cristão.
Na minha humilde opinião não há problema algum em um militante de esquerda ter crenças religiosas, não há incongruências entre os princípios religiosos e a luta popular. Aliás, esta suposta oposição sempre foi uma arma dos donos do poder para detratar a esquerda.
Quanto a mim, há muito tempo deixei de me preocupar com questões de fé. Não sou ateu, pois não desacredito. No entanto, para mim é indiferente se existe ou não. Quando eu morrer hei de descobrir: se minha consciência se extinguir significa que os ateus estavam certos, se tiver alguma coisa além então estão errados. Seja como for, em minha vida a crença religiosa não é algo importante. Porém, como sempre defendo os pobres e os oprimidos diante da opressão dos poderosos, não tenho o menor pudor em chamar Jesus Cristo de companheiro.